Cuidar de um paciente crítico com queimaduras graves é uma missão complexa, que exige domínio técnico, precisão clínica e capacidade de agir sob pressão.
Quando uma queimadura grave chega ao serviço de urgência, a pele deixa de ser “apenas pele”: torna-se uma barreira comprometida, um órgão em falência e o gatilho para uma cascata inflamatória com impacto em todo o organismo.
A enfermagem em contexto crítico é, aqui, o elo de ligação entre a estabilização e as probabilidades reais de recuperação funcional. O cuidado é técnico, objetivo e mensurável, mas, acima de tudo, deve ser profundamente humano.
O que está realmente em risco para o Doente Queimado?
Um doente queimado enfrenta riscos graves, que vão além das lesões superficiais. A gravidade clínica resulta de um conjunto de fatores que vão desde a extensão e profundidade (TBSA), comorbilidades, localização das lesões (face, mãos, períneo, grandes articulações), idade do paciente, tempo até à intervenção e presença de lesão inalatória.
• Hipovolémia significativa, consequente da perda de fluídos e proteínas pela pele danificada
• Insuficiência respiratória por lesão térmica ou inalatória
• Disfunção renal/hepática
• Resposta inflamatória agravada
• Falência de órgãos, nos casos mais graves
• Dor intensa e prolongada, com impactos na estabilidade clínica e emocional
Do atendimento à estabilização do Doente Crítico Queimado
Os primeiros minutos após o trauma são determinantes para a evolução clínica do doente crítico queimado.
No primeiro contacto com o doente queimado, é essencial proceder à identificação e classificação das queimaduras, nomeadamente a sua profundidade, extensão e gravidade.
Nesta abordagem sistémica primária, é aplicado o método de avaliação e atendimento inicial de vítimas de trauma, o ABCDE das queimaduras (A- Vias Aéreas, B- Respiração, C- Circulação, D- Défice Neurológico, E- Exposição).
Após isso, decisões como proteção da via aérea, decorrente da identificação imediata de risco de queimadura inalatória, reposição volémica e analgesia, vão determinar o prognóstico imediato e o risco de complicações subsequentes.
Dor e conforto: prioridades inegociáveis
A dor do doente queimado é contínua, intensa e frequentemente agravada pelos próprios cuidados. A estratégia para oferecer algum conforto e controlo eficaz da dor deve ter por base pilares como ética e humanização, e pode contemplar:
• Sedação consciente durante os procedimentos de maior impacto;
• Analgesia multimodal (opioides, adjuvantes, fármacos tópicos);
• Técnicas não farmacológicas (preparação psicológica, relaxamento guiado, música, presença de familiares);
• Avaliação sistémica com escalas adequadas ao nível de consciência e condição.
Cuidados locais e prevenção de infeções
A pele queimada é um terreno propício à colonização e à infeção. A abordagem às feridas deve ser sistematizada e centrada no controlo da dor e na prevenção de infeções, que é a principal causa de complicações e mortalidade nas seguintes fases.
• Avaliação diária da evolução da ferida e presença de sinais de infeção;
• Aplicação de coberturas protetoras com propriedades antimicrobianas;
• Utilização de técnicas de desbridamento mecânico, enzimático ou cirúrgico, conforme o protocolo;
• Adoção de medidas rigorosas de controlo de infeção, incluindo isolamento e higienização das mãos;
• Atualização da profilaxia antitetânica, segundo o histórico de vacinas;
• Registo detalhado da resposta ao tratamento local.
Metabolismo e Nutrição do Doente Queimado
O doente crítico queimado entra em estado hipermetabólico. A nutrição entérica precoce (idealmente nas primeiras 24h) ajuda a preservar a barreira intestinal, a reduzir infeções e a apoiar a cicatrização.
É necessário avaliar necessidades energéticas e proteicas com apoio da
Nutrição Clínica, para serem feitos ajustes de acordo com a fase da doença e evolução das feridas.
O processo de Reabilitação de Queimaduras Graves
A reabilitação do doente queimado deve ser o mais precoce possível e pode incluir o posicionamento funcional, a mobilização progressiva, ortóteses, prevenção de contraturas e manutenção da amplitude articular.
À medida que a ferida evolui, são introduzidas novas estratégias para controlar a cicatriz (silicone, compressão, etc.), treino de atividades da vida quotidiana e educação para autocuidados.
A importância da formação especializada
O cuidado ao doente queimado é, por definição, multidisciplinar.
Enfermagem, medicina intensiva, fisioterapia, nutrição, psicologia e apoio social devem articular-se de forma coordenada, com objetivos clínicos e funcionais comuns.
Neste contexto, a formação contínua dos profissionais é essencial para garantir:
• A atualização de práticas segundo a melhor evidência científica;
• A padronização de procedimentos em situações críticas;
• A resposta rápida a complicações inesperadas;
• A preservação da dignidade e bem-estar do doente.
Formação em Cuidados de Enfermagem ao Paciente Queimado
Ao longo do curso, os participantes desenvolvem capacidades para:
• Prestar cuidados qualificados e humanizados em situações de queimaduras graves;
• Implementar protocolos de estabilização, monitorização e controlo de complicações;
• Realizar intervenções de enfermagem centradas no conforto, na recuperação funcional e na dignidade do paciente;
• Atuar com confiança em ambiente crítico e integrar equipas de resposta especializada.
Webinar “Enfermagem ao Doente Crítico Queimado”
Durante a sessão são abordados tópicos como:
• A fisiopatologia das queimaduras e suas repercussões sistémicas;
• Protocolos de estabilização no atendimento inicial;
• Estratégias para o controlo eficaz da dor;
• Cuidados locais com feridas e prevenção de infeções;
• O papel da enfermagem na gestão global e na reabilitação do doente queimado.
Para além do tratamento de feridas e lesões, cuidar de um doente queimado é responder com precisão e humanidade a uma situação extrema. Formar-se para esse desafio é investir na capacidade de fazer a diferença onde ela mais importa.