voltar atrás
A Psicofarmacologia no Tratamento do Trauma
Saiba como a psicofarmacologia complementa terapias centradas no trauma e apoia psicólogos na prática clínica diária.
A intervenção junto de pessoas com perturbações relacionadas com experiências traumáticas é exigente, sobretudo pela complexidade clínica que estas apresentam.
Exige conhecer e saber gerir sintomas que oscilam entre hiperativação autonómica, evitamento rígido, fenómenos dissociativos e um sofrimento que pode ser antigo e multifacetado.
As terapias centradas no trauma, como a Exposição Prolongada, Cognitive Processing Therapy, EMDR, são, muitas vezes, a primeira linha de intervenção. Porém, quando nos encontramos perante sintomas intrusivos, insónia refratária, ansiedade incapacitante ou depressão comórbida, que bloqueiam o progresso, a combinação com psicofármacos pode reduzir barreiras e criar condições para que o processo psicoterapêutico seja mais profundo e eficaz.
Para o psicólogo, ainda que não prescreva, dominar a “literacia farmacológica” é uma competência clínica essencial. Informa o raciocínio diferencial, otimiza o timing das técnicas e sustenta um diálogo mais objetivo com a Psiquiatria.
O trauma deixa marcas visíveis e invisíveis, que alteram os circuitos neurobiológicos ligados à regulação emocional, sistema de ameaça, memória e resposta ao stress, nomeadamente hiperreatividade noradrenérgica (amígdala), défices inibitórios (córtex pré-frontal), alterações hipocampais e disfunções do eixo HPA.
Clinicamente, isto traduz-se em hipervigilância, reatividade fisiológica marcada, distúrbios do sono e consolidação de memórias traumáticas com forte carga afetiva.
Os psicofármacos atuam sobre estes circuitos (serotonina, noradrenalina, glutamato, GABA), ao atenuar o “ruído de fundo” que impede a exposição, o processamento cognitivo e a integração. Não substituem a terapia, mas viabilizam-na e reduzem barreiras ao trabalho clínico.
Sem prescrever, o psicólogo beneficia ao compreender a lógica, os limites e as armadilhas dos psicofármacos. No fundo, permite ao psicólogo antecipar dificuldades, interpretar reações e adaptar intervenções.
A escolha adequada depende do quadro clínico predominante, da presença de sintomas dissociativos, do risco de abuso ou dependência, e da resposta prévia do doente.
Entre as classes de fármacos mais usadas, destacam-se:
Nem todos os doentes respondem da mesma forma aos psicofármacos. Crianças, idosos, grávidas ou pessoas com múltiplas patologias requerem um olhar clínico mais cauteloso.
A interação entre psicofármacos e condições pré-existentes pode alterar o prognóstico, tornando indispensável a articulação entre equipas multidisciplinares e uma monitorização contínua.
A intervenção clínica do trauma pode mimetizar depressão major, perturbações de ansiedade, PHDA, perturbações dissociativas e, em alguns contextos, psicoses reativas.
Um screening sistemático (história de trauma, curso temporal, evitamento, hipervigilância, fenómenos dissociativos, Ideação Suicida) pode evitar iatrogenia. Antes de “rotular” uma falta de resposta terapêutica, é importante excluir:
A leitura atenta dos efeitos adversos evita confundir “sintoma” com “efeito do fármaco” e orienta ajustes junto do psiquiatra.
Perturbações relacionadas com o trauma raramente surgem isoladas. Abuso de substâncias, perturbações de ansiedade ou depressivas são frequentemente diagnosticadas em paralelo.
A ordem do tratamento e a priorização de intervenções farmacológicas ou psicoterapêuticas exigem uma abordagem criteriosa. Para o psicólogo, compreender esta lógica é essencial para alinhar estratégias e gerir expectativas dos doentes.
1) Avaliar e registar com métricas: PCL-5 (PTSD), PHQ-9, GAD-7, medidas de sono, funcionamento ocupacional/social.
2) Comunicar clinicamente (e não em “listagens”). Enviar ao psiquiatra um sumário com fenótipos predominantes (intrusão vs. dissociação vs. hiperarousal), padrões de sono, fatores de risco, resposta prévia e barreiras à terapia (ex.: “flashbacks diários impedem exposição in vivo”).
3) Planear o timing. Iniciar exposição ou EMDR quando a ativação está moderada, o sono ligeiramente melhor e o doente compreende a lógica terapêutica.
4) Educar para adesão e descontinuação. Explicar a latência dos antidepressivos, possíveis efeitos iniciais e a lógica de tapering para evitar a síndrome de descontinuação.
5) Delimitar red flags para reencaminhamento urgente: ideação suicida com plano, viragem maníaca, sintomas psicóticos, catatonia, agitação grave refratária, intoxicação ou abstinência aguda.
A formação especializada em psicofarmacologia eleva a prática clínica porque dota o profissional de uma literacia farmacológica robusta para dialogar de igual para igual com a Psiquiatria, compreender mecanismos de ação, farmacocinética e farmacodinâmica, e avaliar com rigor o binómio benefício–risco em doentes com trauma e comorbilidades.
No fundo, transforma o conhecimento farmacológico num verdadeiro acelerador dos ganhos psicoterapêuticos, ao aumentar a segurança, previsibilidade e eficácia dos planos de intervenção.
Neste sentido, o Instituto CRIAP disponibiliza formação especializada e avançada na área da Psicofarmacologia, da qual destacamos:
Para quem deseja aprofundar competências nesta área, o Curso Avançado em Psicofarmacologia proporciona uma formação completa, combinando teoria e prática. Os participantes aprendem a identificar os principais psicofármacos usados em saúde mental, compreender os seus mecanismos de ação, avaliar riscos e efeitos secundários, e relacionar estas variáveis com os diferentes quadros clínicos. Trata-se de uma mais-valia para profissionais que pretendem reforçar a sua intervenção clínica e colaborar de forma mais consistente com equipas multidisciplinares.
É precisamente sobre estes desafios que se debruça o webinário “Psicofarmacologia no tratamento do trauma”. Nesta sessão, a médica psiquiátrica Dr.ª Maria João Fernandes irá apresentar os fundamentos teóricos da farmacologia aplicada ao trauma, discutir casos clínicos e explorar como integrar, de forma prática, o conhecimento sobre psicofármacos na atuação psicológica.