O “cuidar” em Enfermagem exige presença, competência técnica e, sobretudo, disponibilidade emocional. No entanto, essa disponibilidade, muitas vezes considerada natural no exercício da profissão, é raramente acompanhada de tempo e espaço para que o próprio enfermeiro cuide de si. É neste vazio que a escrita pode emergir, não como um luxo criativo, mas como uma ferramenta terapêutica com impacto direto no bem-estar do profissional e na qualidade da relação com os utentes.
Quando cuidar também exige cuidar de si
Na Enfermagem, a atenção ao outro é constante, mas nem sempre existe espaço para que o profissional se escute e cuide das suas próprias necessidades emocionais. Esta ausência de
práticas de autocuidado pode levar à fadiga por compaixão, à sobrecarga emocional e, em casos mais extremos, ao burnout.
A escrita terapêutica oferece um meio simples, acessível e profundamente pessoal para o enfermeiro reconhecer, compreender e transformar as suas vivências profissionais, funcionando como um recurso de autocuidado preventivo e restaurador.
Escrever para cuidar, escrever para compreender
A
escrita terapêutica em Enfermagem não se limita à redação clínica ou ao registo técnico. Trata-se de um exercício de autorreflexão, de expressão emocional e, sobretudo, de organização do pensamento em contextos frequentemente marcados pelo sofrimento, pela
urgência e pela sobrecarga.
Ao escrever, o enfermeiro pode dar nome ao que sente, estruturar vivências complexas e distanciar-se de acontecimentos emocionalmente exigentes - o que favorece processos de autorregulação emocional e previne o desgaste psicológico acumulado.
Escrever, neste contexto, é uma forma de cuidar de si, para continuar a cuidar dos outros.
A escrita como espaço de relação e empatia
A utilização da escrita em contextos terapêuticos não se limita ao autocuidado do profissional. Pode, também, ser um meio de fortalecer a relação terapêutica com o utente, sobretudo em áreas como os
cuidados paliativos, a
saúde mental, ou a intervenção com pessoas em situação de vulnerabilidade emocional.
Projetos como as Cartas Terapêuticas demonstram como a palavra escrita pode criar pontes onde, muitas vezes, o diálogo direto encontra resistências: medo, dor, vergonha, desespero. Através da escrita (seja ela lida, partilhada ou entregue) torna-se possível aceder a camadas mais profundas da experiência do outro, promovendo vínculos mais humanos, empáticos e colaborativos.
Da teoria à prática: como integrar a escrita no quotidiano da Enfermagem?
Incorporar a escrita na prática clínica não exige tempo extra, mas sim intencionalidade e contexto apropriado. Exercícios simples, como diários de reflexão breves ao final do turno, escrita de cartas simbólicas (não entregues) em contextos de luto ou de alta hospitalar, ou até mensagens terapêuticas orientadas em cuidados continuados, podem ter um impacto significativo.
O desafio não está na complexidade da ferramenta, mas na sua legitimação enquanto estratégia válida de intervenção e de autocuidado.
O desafio da legitimação da escrita terapêutica
Apesar dos benefícios amplamente reconhecidos por quem a prática, a escrita terapêutica continua a ocupar um espaço marginal na prática clínica de
Enfermagem. A sua utilização é, muitas vezes, vista como um recurso complementar, de caráter opcional ou meramente pessoal, em vez de ser entendida como uma estratégia válida de intervenção e autocuidado.
Esta falta de legitimação formal deve-se, em parte, à escassez de protocolos e orientações institucionais que a integrem de forma clara na rotina dos cuidados de saúde. Muitas unidades privilegiam ferramentas já consolidadas, deixando de lado abordagens criativas que, apesar do baixo custo e da facilidade de implementação, requerem enquadramento, formação e monitorização para serem eficazes.
Para que a escrita terapêutica possa ganhar espaço e reconhecimento na Enfermagem, é essencial investir em:
• Formação específica — capacitar os profissionais para utilizar a escrita de forma intencional, estruturada e ajustada ao contexto clínico, respeitando princípios éticos e de confidencialidade.
• Partilha de exemplos práticos — apresentar casos de sucesso e estudos que demonstrem o impacto positivo da escrita terapêutica no bem-estar dos enfermeiros e na qualidade da relação terapêutica.
• Espaços de experimentação seguros e estimulantes — criar momentos e contextos, individuais ou em equipa, onde os enfermeiros possam explorar a escrita sem receio de julgamento, validando o seu potencial como ferramenta de reflexão e de fortalecimento emocional.
Um convite à autenticidade na prática de cuidados
Num tempo em que a técnica e a velocidade dominam os serviços de saúde, a escrita surge como um caminho para devolver humanidade à prática profissional. Ao proporcionar momentos de pausa e reflexão, permite ao enfermeiro reaproximar-se da sua vocação, compreender melhor os seus limites e reconhecer o impacto da sua presença junto dos utentes e das suas famílias.
Mais do que um gesto terapêutico individual, a escrita pode transformar-se numa competência estruturada e intencional quando integrada de forma orientada na prática clínica.
É justamente nesse sentido que a formação propõe um olhar mais atento e estruturado sobre a escrita como recurso terapêutico em
Enfermagem, explorando formas práticas e fundamentadas de a integrar no quotidiano, cuidando do profissional, fortalecendo relações e promovendo um cuidado mais humano e autêntico.
Webinário “A Escrita como Ferramenta Terapêutica em Enfermagem”
Para refletir sobre estas questões e explorar formas práticas de como aplicar esta abordagem, o webinário “
A Escrita como Ferramenta Terapêutica em Enfermagem”, orientado pelo Enf. Ricardo Fonseca, enfermeiro, escritor e formador com vasta experiência em cuidados paliativos e desenvolvimento pessoal, irá abordar temas como:
• A escrita como meio de autorregulação emocional e ferramenta de cuidado;
• Estratégias para integrar a escrita no dia a dia clínico;
• A apresentação do projeto “Cartas Terapêuticas” e os seus efeitos na prática relacional em Enfermagem.
Este webinário é especialmente relevante para profissionais de Enfermagem que procuram ferramentas de autocuidado e métodos inovadores para fortalecer a relação com os utentes e as suas famílias.
Curso de Cartas Terapêuticas
Para aprofundar este tema e adquirir competências específicas, o
Curso de Cartas Terapêuticas oferece uma abordagem estruturada à escrita terapêutica em Enfermagem. Esta formação capacita os profissionais para compreender e aplicar as Cartas Terapêuticas como recurso relacional e clínico, promovendo o autoconhecimento, a comunicação empática e o cuidado contínuo com maior profundidade.