Prevenindo a violência de género em contexto escolar

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Prevenindo a violência de género em contexto escolar: novas estratégias e ferramentas

A violência de género é hoje entendida como um tipo de violência contra a qual uma grande parte das organizações internacionais (estatais, da sociedade civil, públicas, privadas, assumidamente feministas ou não) se dispõe a combater.

Quem acompanha os noticiários, os jornais, ou até mesmo alguns programas matinais, percebe-se claramente como a violência doméstica é hoje um crime infelizmente bastante comum. Apesar das modificações legais que tem ocorrido nos últimos anos no sentido de criminalizar este tipo de violência, muitas pessoas, sobretudo raparigas e mulheres, continuam a ser vítimas de uma multiplicidade de formas de agressão no contexto íntimo que, no seu limite, culminam mesmo em assassinato. Um estudo da Organização Mundial de Saúde, baseadas nas respostas de dois milhões de mulheres de 161 países, aponta que 27% das mulheres entre os 15 e os 49 anos já sofreram algum tipo e violência física e/ou sexual por parte do seu parceiro masculino ao longo da sua vida. Segundo dados do Observatório de Mulheres Assassinadas da UMAR (União das Mulheres Alternativa e Resposta), em 2021, foram já assassinadas 23 mulheres em Portugal, fora todas as outras formas de violência mais indiretas e subtis que degradam a qualidade de vida e saúde mental e física das pessoas. A violência é um objeto de inquirição comum da abordagem mediática, mas a violência genderizada adquire status distintivo nos nossos media, ele próprio com o papel sui generis na sua denúncia. Foi graças aos media, em articulação precisa com muitos movimentos sociais, nomeadamente feministas, que se passou a ter um conhecimento mais generalizado sobre inúmeros casos de violência ou que certos temas – como o assédio, com o #MeToo – adquirissem visibilidade.
 
 
É certo que a violência na intimidade não se reduz às relações heterossexuais e não constitui apenas as mulheres como vítimas – os homens podem constituir-se como vítimas e as mulheres como agressoras –, mas, no contexto da esfera doméstica (e não só), histórica-, estrutural- e estatisticamente, são as mulheres a representar o maior número de fatalidades. Não é preciso muito para se descobrir – e as perspetivas feministas sempre nos lembram – que, no interior de uma organização de género, que atravessa a maior parte das sociedades do mundo, os sujeitos homens e a masculinidade são imbuídos de um poder simbólico e de um privilégio cultural que cria desigualdades e assimetrias penalizadoras para as mulheres. Ora, várias estratégias têm atravessado as nossas políticas públicas e tem sido efetivamente implementadas, seja a nível macro- ou microsistémico, e a escola aparece hoje como um promotor de agência e mudança social. Trabalhar o tema da violência de género com jovens, numa perspetiva educacional de cidadania, é meio caminho andado para a prevenir no futuro; mas infelizmente as poucas iniciativas que existem não tem reflexo aplicado naquilo que são hoje as culturas juvenis, mesmo quando elas se renovam na era pós-cultural das tecnologias digitais, do ensino a distância (EaD) e dos géneros e sexualidades fluidas e transgressivas. É, por isso, importante reajustar as modalidades de prevenção.
 
 

Violência de género: conceptualização e efeitos

 

 
A violência de género é hoje entendida como um tipo de violência contra a qual uma grande parte das organizações internacionais (estatais, da sociedade civil, públicas, privadas, assumidamente feministas ou não) se dispõe a combater. A  Agenda 30 das Nações Unidas contempla nos seus 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) a promoção da igualdade de género, propondo-se a acabar com todas as formas de discriminação contra todas as mulheres e meninas, em toda parte; eliminar todas as formas de violência contra todas as mulheres e meninas nas esferas públicas e privadas, incluindo o tráfico e exploração sexual e de outros tipos; liminar todas as práticas nocivas, como os casamentos prematuros, forçados e envolvendo crianças, bem como as mutilações genitais femininas. Conceptualmente, define-se “violência de género” como todo o tipo de violência genérica que tem a dimensão “género” como motor, podendo englobar outras formas mais específicas de violência como a violência no namoro, a violência doméstica, o assédio, o abuso sexual, entre outras. Não se reduzindo à violência contra mulheres (há homens que sofrem violência de género e muita da violência que atinge pessoas gays, lésbicas, bissexuais, trans, queer, não binárias não deixa de ser considerada “violência de género”), são sobretudo elas o grupo estruturalmente mais afetado. Na verdade, muita da violência de género contra homens – como, por exemplo, os rituais homofóbicos de disciplinação da masculinidade, mais intensos neste grupo – decorre de uma conceção patriarcal que tem como base a própria estigmatização à simbologia feminina. Do ponto de vista comportamental, manifesta-se sob variadas expressões:
 
• Psicológica/Emocional (e.g., menosprezar, humilhar, ameaçar);
• Verbal (e.g., gritar; insultar);
• Física (e.g., morder, bater, agredir, matar);
• Sexual (e.g., comentar; assediar, apalpar, abusar);
• Económica (e.g., monopolizar o dinheiro da casa, desigualdade salarial, impedir o acesso a bens).
 
 
Nestas formas de violência não se pode esquecer as formas mais simbólicas – mas nem por isso menos graves – de violência, como, por exemplo, a propagação de estereótipos sexistas na publicidade ou no humor; as pressões domésticas ou para o desempenho familiar e profissional; a desigualdade na lei; a discriminação no acesso a espaços; a subrepresentação (na política ou ciência), enfim, a lista é infindável e a ela assomam-se os fenómenos modernos das microagressões e do micromachismo como o wokefishing, o mansplainning, a “cultura de culpabilização da vítima”, o porn revenge, entre outros, afetando, sobretudo as camadas mais jovens. Consoante a intensidade, as consequências da violência de género são avassaladoras, representando uma indignidade aos direitos humanos. Na escola, essa violência de género expressa-se de igual modo chocante a partir de situações de estereotipia, assédio, violência no namoro, slut shaming e porn revenge.
 
 

Intervindo na prevenção e no combate: o papel das escolas e das entidades formadoras

 

 
A maior parte das associações e organizações que trabalham na intervenção e prevenção da violência de género em Portugal são unânimes em recomendar um maior investimento na formação especializada de profissionais e na implementação célere de medidas. Os decisores das políticas educacionais são unânimes em reconhecer como a escola deve ser um agente promotor de mudança no futuro. No Workshop em Violência de Género em Contexto Escolar (WVGCE) propomos-mos a identificar recursos e ferramentas úteis para o desenvolvimento de programas, projetos, práticas e atividades de prevenção da violência de género em contexto escolar assim como aplicar conhecimento no âmbito da criação de projetos para a prevenção da violência de género em contexto educacional. Numa lógica multi- e transdisciplinar, destina-se a profissionais das áreas das ciências humanas e sociais (psicologia, serviço social, criminologia, sociologia, educação entre outros), bem como a finalistas de Doutoramento, de Mestrado, de Licenciatura, de Pós-Graduação, de Especialização ou MBA, na área referida, que procurem conhecer e aprender novas estratégias e ferramentas inovadoras e apelativas para trabalhar com os/as jovens a questão da violência de género nas suas múltiplas expressões; mas podemos desvendar algumas formas de intervenção como:
 
  • Metodologias participativas/participatórias: hoje não basta debitar conteúdos e esperar que os/as jovens, como recetáculos passivos, interiorizem o que lhes é imposto, sem questionamento. Para o saber fazer sentido, eles/as têm que atribuir significado ao que aprendem e, por isso, as metodologias ativas são essenciais ao darem voz aos/às jovens. A lógica participatória, em que os/as jovens têm um papel ativo na configuração e implementação de projetos dos quais eles/as são parte constituinte, é uma estratégia hoje reconhecida refletindo-se em atividades como organização de debates “pro-con” e seminários, análise de casos, simulações e role plays e instrução por pares.

 

  • As modalidades de ensino à distância: como se pode trabalhar a violência de género com jovens numa lógica de EAD, num momento histórico pós-pandémico em que o EaD adquiriu maior relevo na sociedade? É aqui que entra o Moodle e a Zoom como plataformas e ferramentas estratégicas para conceber projetos contra a VDG através de salas simultâneas, videolearnings e aulas invertidas. De salientar a importância global do EaD na chegada a públicos mais recônditos de sociedades em que a violência de género conhece as suas formas ditas mais primitivas.

 

  • Tecnologias educacionais como gamificação: na era dos smartphone, do facebook e do instagram, as tecnologias devem ser hoje parte constitutiva dos projetos que tem os/as jovens como atores e atrizes. Estratégias como a criação de podcasts ou o photovoiced – deixar os/as jovens tirarem as suas próprias fotos e filmes para contarem as suas próprias histórias, narrativas e testemunhos – são hoje uma experiência comum dos projetos emancipatórios. O storytelling, a gamificação e o codesign de jogos ditos “sérios” são outras ferramentas através das quais se pode conceber atividades e projetos contra a VDG apelativos de e para jovens. 
 
 
Como já afirmei no meu artigo sobre masculinidades na escola, intitulado “Masculinidades híbridas em contexto escolar: mudanças em curso ou reprodução do status quo?”, ou no capítulo de livro sobre sexismo educacional, intitulado “DESIGUALDADES DE GÉNERO NO ENSINO SUPERIOR PORTUGUÊS: desconstruindo os tijolos patriarcais da velha torre de marfim”, tal processo de enfrentamento só pode ser garantido se os jovens rapazes e homens forem envolvidos nas atividades e projetos de desconstrução da violência, caso contrário a mudança social não terá efeito. Não nos enganemos aqui: o Workshop não pretende ser uma arma imbatível para eliminar a violência de género do mundo de vez, pelo contrário: ele é um encontro marcado para que se possa debater novas abordagens, estratégias e ferramentas para a sua prevenção e enfrentamento, afirmando o compromisso com a igualdade e com os direitos humanos, cruciais serem aprendidos pelos/as nossos/as jovens. Só eles e elas, na era do desenvolvimento sustentável, podem não só mudar, mas, sobretudo, transformar o mundo e compete-nos a nós educadores/as garantir que assim seja. Contamos consigo nesta nova tarefa!

 

 

Pretende aprofundar os seus conhecimentos sobre violência de género ? Inscreva-se no Workshop Prevenção da Violência de Género em Contexto Escolar.


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Artigo da autoria de:
Hugo Santos

Licenciado, Mestre e Doutor pela Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCE-UP), onde se desenvolveu em diversos projetos de investigação e intervenção cívica e social (e.g., IP-CHALID/Turquia, IP-H.E.L.P./Eslováquia e IP-ERASMUS/Hungria). Com a sua tese de Doutoramento sobre bullying e diversidade sexual em contexto escolar, na linha da investigação educacional sobre juventudes, cidadania e participação, ganhou o Prémio SPCE/De Facto Editores 2018 da Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação, uma das mais altas distinções nacionais na área das Ciências da Educação. Com experiência recente em projetos sobre jogos sérios (e.g., JoSeES), tem adquirido um crescente interesse pela área das novas tecnologias educacionais, gamificação e da formação à distância. Detentor do CCP, desenvolve a sua atividade de Formador em várias áreas – violência de género, educação sexual, tecnologias educacionais, formação de formadores.

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