O brincar é muito mais do que diversão. Para as crianças, representa a forma mais natural de explorar o mundo. No contexto clínico, surge a Play Therapy, uma abordagem da
psicoterapia infantil que utiliza o jogo como ferramenta essencial de intervenção.
Seja em situações de trauma, dificuldades emocionais, problemas escolares ou de socialização, esta prática devolve às crianças um espaço seguro para se expressarem, construírem resiliência e fortalecerem o seu desenvolvimento infantil.
O que é a Play Therapy?
A
Play Therapy é uma forma de psicoterapia para crianças e jovens que usa o jogo como principal meio de comunicação. Quando não conseguem explicar o que sentem em palavras, o brincar ajuda a mostrar o que se passa no seu interior. Através de bonecos, jogos de papéis, desenhos ou outros materiais, as crianças conseguem expressar medos, raiva, alegria ou insegurança.
É um processo orientado por profissionais, que observam e acompanham a criança, dando sentido ao que surge durante as brincadeiras e ajudando-a a lidar melhor com as suas emoções.
Benefícios da Play Therapy
Os efeitos desta intervenção estendem-se a várias dimensões:
• Redução de sintomas emocionais: diminui a
ansiedade, a tristeza e o isolamento social.
• Promoção da autoestima: a criança ganha confiança ao sentir que é capaz de criar, resolver e transformar.
• Desenvolvimento de competências sociais: fomenta empatia, cooperação e capacidade de lidar com conflitos.
• Gestão de
trauma: oferece uma forma segura de elaborar experiências dolorosas sem necessidade de revivê-las verbalmente.
• Prevenção de burnout emocional: em contextos familiares ou escolares desafiantes, ajuda a criança a encontrar estratégias de autorregulação e equilíbrio emocional.
Play Therapy em Diferentes Contextos
A Play Therapy pode ser aplicada em vários cenários da vida da criança e do jovem. Adapta-se a diferentes contextos onde as dificuldades emocionais, sociais ou comportamentais se manifestam.
1. Na escola
• Em casos de dificuldades de aprendizagem ou de atenção, o brincar ajuda a reduzir a ansiedade associada ao estudo.
• Quando existem conflitos entre colegas, pode ser usada para treinar competências sociais e melhorar a cooperação.
• É útil em situações de bullying, permitindo à criança elaborar os sentimentos de medo ou insegurança e ganhar estratégias de proteção e assertividade.
2. No hospital
• Ajuda crianças que enfrentam tratamentos médicos dolorosos ou prolongados, como quimioterapia ou cirurgias.
• Reduz o medo de procedimentos médicos, tornando-os mais suportáveis.
• Humaniza o ambiente hospitalar, dando à criança um espaço para se sentir mais segura e menos controlada pela doença.
3. Em casos de trauma e violência
• Muito indicada para crianças que sofreram abusos, negligência ou violência doméstica.
• Permite expressar emoções difíceis sem precisar falar diretamente sobre o que aconteceu.
• Ajuda a transformar experiências dolorosas em narrativas simbólicas, que a criança consegue compreender e reorganizar.
4. No contexto familiar
• Pode ser usada em situações de divórcio ou separação dos pais, ajudando a criança a lidar com sentimentos de perda ou lealdade dividida.
• Apoia em casos de luto, quando a criança precisa de expressar tristeza ou saudade de forma segura.
• Facilita a comunicação entre pais e filhos, tornando as relações mais próximas e compreensíveis.
5. Em problemas de comportamento ou de desenvolvimento
• Aplicada em crianças com dificuldades de autorregulação emocional, como birras frequentes ou agressividade.
• Útil em perturbações do espectro do autismo, onde o jogo pode ser uma via de estimulação social e comunicacional.
• Apoia crianças com atraso no desenvolvimento infantil, favorecendo a expressão emocional e o vínculo afetivo.
Quem pode fazer Play Therapy?
Crianças
Em crianças, a Play Therapy é especialmente indicada quando existem experiências emocionais ou comportamentais difíceis de gerir. Situações como o luto, o divórcio dos pais, as dificuldades de aprendizagem ou os problemas de comportamento podem ser trabalhadas através do brincar. Também em casos de negligência, abuso ou trauma, esta abordagem permite que a criança encontre uma forma segura de expressar sentimentos que não consegue colocar em palavras. O jogo transforma-se, assim, na sua voz mais autêntica.
Adultos
Nos adultos, embora menos comum, a Play Therapy também tem um papel relevante. Através de jogos simbólicos, atividades criativas ou dramatizações, é possível aceder a conteúdos emocionais que ficam muitas vezes bloqueados pela racionalização. Este processo é particularmente útil em situações de trauma, stress pós-traumático ou burnout, permitindo que o adulto explore emoções de forma menos ameaçadora e encontre novas formas de compreender e reorganizar a sua experiência.
Técnicas de Play Therapy
As técnicas utilizadas em Play Therapy adaptam-se sempre às necessidades de cada criança ou adulto. Entre as mais comuns encontram-se:
• Caixa de areia (Sandplay): a pessoa cria cenários com figuras e objetos num espaço de areia. Esses cenários funcionam como uma representação simbólica do seu mundo interno, revelando medos, desejos e experiências difíceis.
• Jogo de papéis (Role play): assumir diferentes personagens ajuda a reviver situações do dia a dia ou a explorar novas formas de agir. Quando a criança interpreta papéis de autoridade ou de fragilidade, mostra como percebe o mundo à sua volta.
• Expressão artística: o desenho, a pintura, a modelagem ou até a colagem permitem traduzir emoções sem a necessidade de palavras. Muitas vezes, sentimentos de tristeza, raiva ou alegria surgem de forma espontânea através destas criações.
• Jogos estruturados: preparados pelo terapeuta para trabalhar objetivos específicos, como melhorar a cooperação, treinar competências sociais ou aprender a lidar com a frustração.
Independentemente da técnica escolhida, o objetivo é sempre criar um espaço seguro e de confiança, onde o brincar serve como ponte para compreender e transformar emoções.
O Papel do Terapeuta
Na Play Therapy, o terapeuta é o mediador do processo, alguém que garante que a sessão decorre num ambiente seguro e acolhedor. Para isso, precisa de desenvolver uma escuta sensível, capaz de captar não apenas as palavras, mas também os gestos, os silêncios e as escolhas feitas durante o jogo.
Outra competência fundamental é a interpretação simbólica. O brincar está repleto de metáforas e representações, e o terapeuta deve saber reconhecer padrões sem impor significados de forma precipitada.
A empatia é igualmente indispensável. Através dela constrói-se a confiança necessária para que a criança ou o adulto expressem emoções mais profundas. Juntam-se ainda a flexibilidade e a criatividade, essenciais para adaptar as técnicas ao ritmo e às necessidades de cada sessão.
O Futuro da Play Therapy
O futuro da Play Therapy caminha lado a lado com as transformações da sociedade. A integração de tecnologias digitais é um dos maiores desafios: videojogos terapêuticos, aplicações interativas e ambientes virtuais começam a ser explorados como ferramentas de intervenção, sobretudo junto de crianças que já vivem num mundo fortemente digitalizado. No entanto, estas inovações não substituem a essência da Play Therapy, apenas ampliam as formas de brincar e de comunicar.
Outro campo em crescimento é a aplicação em contextos organizacionais, nomeadamente na prevenção do burnout em equipas de trabalho. Se o brincar ajuda crianças a lidar com emoções complexas, também pode oferecer aos adultos novas formas de autorregulação, criatividade e fortalecimento de laços interpessoais dentro das empresas.
Paralelamente, o reforço da investigação científica é cada vez mais necessário para validar práticas e consolidar evidências. O estudo sistemático dos resultados permitirá ajustar métodos, melhorar intervenções e assegurar que a Play Therapy se mantém atual e eficaz.
Perante estes desafios, o papel do terapeuta especializado torna-se ainda mais importante. É ele quem assegura que novas técnicas e ferramentas não afastam a Play Therapy da sua essência. O equilíbrio entre inovação e tradição é essencial, garantindo que tanto um brinquedo clássico como uma aplicação digital são usados de forma segura, ética e adequada ao desenvolvimento da criança.
O futuro da Play Therapy lembra-nos também que o brincar é um direito fundamental. É através dele que a criança cresce de forma saudável e constrói a sua identidade. Ao terapeuta cabe proteger este direito e adaptá-lo às mudanças da sociedade, mantendo sempre presente o poder transformador do jogo na terapia.
Especialização Avançada em Play Therapy
A Especialização Avançada em
Play Therapy é dirigida a psicólogos e psicoterapeutas que pretendem integrar o brincar como recurso terapêutico na prática clínica. A formação aborda temas como trauma, vinculação, luto, adoção e acolhimento, destacando o papel da relação terapêutica e da expressão simbólica no processo de cura.
Os formandos terão contacto com técnicas como o tabuleiro de areia, a utilização de histórias e abordagens somáticas, aplicáveis a crianças, adolescentes e adultos. Sempre com base em evidência científica e enquadramento ético, esta especialização oferece ferramentas criativas e eficazes para intervir em múltiplos contextos clínicos.